26 de janeiro de 2011

NOVO ENCONTRO NA LUTA

Na R. Renascença já ocupada pelos trabalhadores, o meu trabalho era na assistência técnica às cabines e desde então participar (ou colaborar dependia do ponto de vista) em alguns trabalhos radiofónicos, biografias e ou histórias de luta revolucionárias, o trabalho de reportagem em termos técnicos não me atraia muito, porque de um modo geral o jornalista gostava de trabalhar em "auto-gestão politico-profissional" e os meios técnicos não exigiam tanto como isso.
Contudo fui eu que fiz a assistência técnica exterior em 16 Março, quando a Brigada do Reumático foi prestar vassalagem a Marcelo Caetano. E eu era o técnico que estava na radio na noite de 24/25 ficando com o Paulo Coelho, mas como sabes isto é outra história das histórias que foram contadas até agora.
Com o desenvolver dos acontecimentos a RR estava presente para reportagem, num leque muito grande de lutas de trabalhadores.
E a tua empresa não foi excepção, e não sei porque carga de água fui com o jornalista, creio que o Jorge Simões (passados 35 anos será que estou a cometer uma inconfidência?) e deparamo-nos frente a frente eu e tu. Estava reunida a comissão de trabalhadores. Vocês expuseram os vossos problemas e eu limitava-me a ouvir e a analisar. Disseram o que tinham a dizer, discordaram em pormenores e reparei que não te estavas a perceber, que naquela altura dos acontecimentos do 25 Abril, os trabalhadores deste país em roda livre nas suas lutas as alavancas partidárias procuravam a todo o custo tomar conta das mesmas lutas. Tive oportunidade com alguma antecipação de verificar isso graças ao lugar em que estava.
Dirigi-me a ti e começamos a falar sobre a situação presente no momento, creio que te alertei para uma ou outra situação patronal, que no vosso calor da discussão não te apercebeste.
Tinha gostado das tuas intervenções, mas no meu entender não eram para convencer ninguém em grupo porque te impediriam sistematicamente. Portanto terias de optar por outra estratégia.
Mas que afinal, fosse ela qual fosse ou de quem fosse, não resultaria da forma que o país se encontrava.
Afastamo-nos do burburinho, falamos também do nosso encontro na Feira do Livro, da nossas vidas, mais de mim desta vez, viemos cá fora beber um café e vim embora esboçando um possível encontro para irmos dar uma volta qualquer dia, ou a possibilidade de voltar a ir à tua empresa.
Mãe do Céu, era muito para mim, fiquei a gostar mais de ti porque vinhas ao encontro do meu então romantismo revolucionário (ou lirismo revolucionário até perceber que o 25A tinha sido um golpe militar e não uma revolução); o facto de estar sozinho em Lisboa e portanto ter de gerir muito bem a minha vida, já ter percebido que eras mãe solteira, a minha admiração por ti a aumentar, uma outra amizade entremeio, o meu interesse político pelos acontecimentos, era como uma hecatombe em cima de mim, e a pensar que concerteza deixaria de ir tantas vezes ao Porto. Tanta coisa para um jovem rapaz como eu.
Mas ao contrário do que eu pensava esta tormenta teve curta duração, porque passado uma semana ou pouco mais, convidaste-me para ir jantar a tua casa.
Eu disse que sim, deste-me pelo telefone todas as indicações para encontrar a casa e ficou combinado para um sábado em que eu fazia o turno da manhã.
Não imaginas como me senti tão pequenino, e tão honrado; ou vaidoso?, sei lá.
Entrei na rua pontualmente à hora que tinhas indicado, que aliás nunca tinha vindo para estes lados, olhava para os números das portas e para as janelas e vejo-te a parecer a uma delas sorridente, um terceiro andar dava perfeitamente para ver o teu sorriso e tive vontade de fugir, de tão inseguro que me sentia.
O dia estava bonito, era a meio da tarde e o sol ainda estava alto.
Subi e convidaste para entrar, depois de me acalmar ou de teres sido capaz de me dares alguma autoconfiança, mesmo assim penso que a Susaninha me ajudou bastante, porque tentando começar a brincar com ela disfarçou um pouco a minha condição, conversamos sobre coisas que não me recordo, conversamos pronto. A tua casa estava como se costuma dizer um brinco, tudo tão arrumadinho que eu quase não sabia aonde colocar os brinquedos da menina.
A tarde estava a passar-se e afloraste a necessidade de tratar do jantar (mal sabias tu Adélia que ias dar-me a primeira prova de fogo) interrogaste se eu gostava de frango assado ao que eu respondi que sim, mas com um nó na barriga. Desconhecias que vinha enjoado de tanto frango do hospital militar e da Guiné. Então lá fomos comprar um frango assado, batatas fritas, preferi cerveja ao vinho, mais sumo para ti e a Susaninha. Pelo caminho ainda fomos ao Parque infantil.
Já tínhamos posto a mesa e feito salada de tomate. Viemos rapidamente para casa e quando entramos a primeira pergunta que fiz, foi se tinhas pimenta para o frango, o que me iria salvar de eventuais enjoos.
Entre a refeição e um pequeno serão conversamos bastante, hoje creio que me escutaste mais do que falaste nesse dia, não que te viesses a revelar uma faladora, mas particularmente nesse dia, fiquei com a sensação que fui vistoriado até ao meu íntimo se tiveste possibilidade. Felizmente que a criança me dava alguns momentos de "folga". Estando com os brinquedos a brincar com ela no chão e tu estavas sentada num sofá muito baixo, diversas vezes estive muito junto de ti apetecendo-me pousar a minha cabeça no teu corpo e dizer que te amava.
O dia estava a acabar e já estava a exceder a hora de deitar a Susaninha, e eu a não saber exactamente como dever comportar-me. Não sabia se ficar, se me retirar, se esperar que tu me desses alguma indicação. E mais uma vez tive vontade de fugir.
Optei por fazer o que a minha educação e princípios me indicaram: não posso defraudar a confiança que esta mulher e mãe depositou em mim. E comecei a despedir-me.
Despedimo-nos com um beijo facial, que gostamos de conversar um com o outro, e até um dia destes. Incluindo a menina, não me recordo se tive o cuidado de levar algo para a ela, mas para ti lembro-me que levei uma flor.
Vocês vieram à janela, acenavas sempre que eu olhava para trás, o que fizeste quase sempre toda a nossa vivência. E lá fui para Lisboa para o meu quarto com um turbilhão de pensamentos.
Querida, não fiquei enjoado e foi-me muito agradável essa tarde de sábado que nunca esqueceremos.

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