8 de outubro de 2011

GUINÉ-BISSAU, DESTINO DE UMA EVASÃO

Guilherme, nesta madrugada excepcionalmente quente de Outubro, estive à janela como tantas outras vezes, deixando voar os pensamentos onde estás muitas vezes presente.
Mas, desta vez não estiveste nem próximo, porque eles andaram sobre a Guiné Bissau de que já te falei.


Eu sou o da esqd.  À porta de uma Tabanca. Sempre que podia andava à civil.

Na minha varanda e de janelas abertas, chega-me o cheiro intenso de mato queimado nesta madrugada.

Sinto-me olhando o vazio, como orbitando a Guiné Bissau nesta noite sem luar.
Vejo as pequenas fogueiras e o burburinho das vozes sentadas à entrada de cada tabanca.

A minha busca de uma delas no meio do labirinto das mesmas, o cheiro da sua palha rendado com outros cheiros, produz-me ânsia e ligeiro desnorte.

Com as estrelas da noite como testemunha e como guias, com a ténue luz das pequenas fogueiras..., procuro no burburinho das palavras de cada família as silabas que me permitam a comunicação. "Corpo de vô ?" "Manga de sibe" "Jametum" etç.

Beber um trago de álcool de cana, fraternalmente oferecida, concerteza com raivas contidas, e que eu não me sentia o destinatário..

Sentia-me honrado, pela hospitalidade, no meio de pessoas com rostos quase esbatidos pela escuridão.

E por vezes sem conta, procurando dar melodia de esperança a curtíssimos diálogos nunca concluídos, sobre algo que estava para além de mim, outros berros de outras bocas mortíferas, se escutavam de vinte, trinta, quarenta quilómetros de distância.

Minha farda se transformava no pano de fundo de cena, e toda a empatia se desvanecia na plateia à porta da tabanca.

Nossas bocas fechavam-se e só os olhares dialogavam interrogando o culpado.

Contudo, a cada noite nascia o dia com a alegria sofredora das gentes no cultivo, na bolanha, nos afazeres da tabanca ou simplesmente embelezando ainda mais frondosas florestas.

E eu, eu frequentemente voltava a renascer na esperança de encontrar esse trilho, para o qual não tive tempo de o percorrer, para alcançar uma floresta de onde se partia novamente em direcção a um palco onde decorria a peça da luta pela liberdade e independência.

Gosto muito de ti, Guiné Bissau.


Carlos Filipe, Out. 2011