18 de julho de 2008

A SOPA DA MINHA VIDA

Devia ter a tua idade de agora sete anos, talves não... porque não me lembro da escola quando aconteceram os factos que te vou contar. Tudo à volta de uma tigela de sopa.
Concluí nesta idade que não gostava de "Caldo Verde" embora me agradasse os legumes das mais variadas maneiras.
A minha Avó Amélia, fez desta sopa para o jantar e nesse dia decidi que não gostava dela (porque não me lembro de outros episódios com Caldo Verde) e a avó ia insististindo comigo para comer a sopa. Mas não estava disposto a colaborar por qualquer razão. E apesar dos meus apelos, a avó não desistia, mesmo com a minha mentira, protestando, de que a sopa era ou estava azeda.
Mas ela não desistia, embora o Caldo Verde possa azedar (estragar-se) com facilidade, não podia ser o caso, por ter sido acabada de fazer.
A avó Amélia decidiu sentar-se no banco (sim banco de madeira...porque dantes não havia cadeiras pela casa toda) e pegar em mim, pôs-me no seu colo e começou a dar-me algumas colheres de sopa.
A primeira, segunda, terceira, por aí fora, e eu gritando cada vez mais que a sopa estava azeda com toda a razão do mundo; a minha querida avó é que não tinha nenhuma razão para acreditar, embora nesse momento eu estivesse a dizer a verdade, verdadinha, e muito desesperado.
Finalmente, para descargo de consciência, a avó Amélia provou da minha sopa. Deve ter feito cara feia não me lembro, deve-me ter posto no chão e já não me deu mais para comer. Talves tenha dito que eu dizia a verdade.
Ela deve ter ido comparar com o sabor da que estava na panela e verificou que esta estava boa para para se comer.
Depois de um cházinho umas bolachinhas, uns vómitos à mistura a Dª Amélia começou a indagar o que teria acontecido naquela hora de jantar, numa casa grande, em que só estávamos nós os dois com uma tigela de sopa azeda.
Antes de te dar a conhecer o mistério, fica a sabendo que hoje em dia gosto muito de Caldo Verde e se for com Brôa, melhor ainda, aliás de todas as sopas, menos de Canja.
Não te esqueças que temos um acôrdo de que quando comesses tomate com alface, eu comeria um pratinho de canja. Foi o combinado.
O que aconteceu foi que o caldo verde estando talves apuradinho, entendi que estava "azedo" e com um açucareiro próximo de mim em cima da mesa, enquanto a avó estava de costas e a mandar-me comer eu coloquei algum açúcar dentro da sopa e claro azedou mesmo... o que me dava razão.
Passei umas vinte e quatro horas "doentinho" com muita tralha na cama para brincar e acabei por contar o segredo face à simpatia da senhora minha Avó.
COME SOPA GUILHERME, É IMPORTANTE PARA A TUA IDADE ADULTA.

17 de julho de 2008

A CRIANÇA E A RELIGIÃO


Neto, lembras do avô te falar muito de barcos, e pareceu-me que gostaste, porque foram muitas as viagens de barco no Rio Tejo que fizeste comigo, lembras-te?. Aliás nunca te faltava um barquinho na banheira, quando tomavas banho. Para finalmente possuíres um telecomandado que te dei, e que temos ido algumas vezes brincar com ele. Escrevo isto, para te relembrar que fui criado no meio de gente do mar; marinheiros e pescadores.

Também o meu Avô foi marinheiro, mas não o conheci porque ele morreu durante a II Grande Guerra a bordo de um Navio Inglês, que foi tropedeado por um submarino. Falar-te-ei sobre ele qualquer dia.


Perguntas o que tem isto a ver com religião e a criança?





Tem porque as pessoas ligadas ao mar são quase sempre muito crentes em Deus, Jesus, Maria.
Imagina estes quadros:
Um grupo de alguns homens à pesca só com os seus conhecimentos inerentes à sua faina, orientando-se pelas estrelas ou algum Farol em terra, sozinhos de noite no mar, com uma pequena luz dum candeeiro a petróleo e dento de uma pequena e frágil embarcação vencendo as ondas e as voltas repentinas de mar, e com ventos. É muita solidão para que um homem sózinho no meio da escuridão, no seu mais íntimo não apelar a qualquer coisa para além de si.

O outro quadro, um navio (naquele tempo: Vapor) no alto mar, sem as tecnologias que hoje existem como navegação por satélite, piloto automático e outras capacidades técnicas, navios de difícil manobra que não obedecem imediatamente por serem grandes, dias e dias de isolamento no mar, ás vezes vencendo tempestades com ondas enormíssimas que até parece que a proa (frente do barco) se vai enfiar pelo mar dentro.
E as mulheres destes homens?. As dos pescadores esperando pelos maridos, irmãos ou filhos na praia ou no cais esperando pelos barcos que se aproximassem de terra e muitas vezes como o avô também viu, afundarem-se quando estão a entrar a barra, depois de uma noite na faina da pesca. Eu vi já com a tua idade algumas Bateiras a afundarem carregadas com as redes molhadas, peixe, acessórios e três a cinco homens com fatos de oleado e botas altas a serem engolidos pelas águas, ou então serem arrastados pelas redes que se espalhavam.

2º esquerda 1º esquerda

Outras mulheres esperavam muitos e longos dias pelo regresso dos maridos embarcados no mar e naquele tempo com o medo da guerra. Os barcos grandes também encalhavam frequentemente próximo da costa, porque como disse não havia as tecnologias de agora, que nem se imaginavam na época.

Portanto todo este povo precisava de ter fé num Deus.

E foi assim o ambiente em que fui criado, com a minha avó; a minha mãe digamos que não era tão absorvida pela religiosidade, embora católica, era mais "terrena". Possuía a quarta classe e na época, não era aquilo que se pudesse chamar de todo inculta ou analfabeta. Para uma mulher já era muito bom, porque a esmagadora maioria, não completava a instrução primária (agora o básico).

Sabes que antigamente as mulheres de mais idade principalmente as dos pescadores ou marinheiros, por volta das seis, sete horas da tarde rezavam o Terço. O terço era uma espécie de colar com bolinhas e cada bolinha correspondia a uma oração, como a 'avé-maria' 'pai-nosso' 'salve-rainha' e outras. Esses terços tinham um determinado número de bolinhas que agora não sei, talvez trinta ou coisa assim. Estou com um na mão na seguinte foto.


Nunca vi a minha avó a rezar com o terço nas mãos, mas eu tinha a certeza que ela rezava mentalmente como as outras mulheres. Também não frequentava muito a Igreja era raro, só ia às missas pelas pessoas que morriam conhecidas dela.




Mas havia um período que antecedia a Páscoa que ela não faltava. Eram umas missas que havia sempre à noite.
Embora, mais crescidote, eu fosse à missa aos domingos, mais para ver as amiguinhas que outra coisa, aquelas missas da Páscoa em que ela a minha avó queria sempre a minha companhia, tiveram muita importância para mim. Mas frequentemente adormecia porque era à noite depois do jantar.

Nessas missas havia sempre o sermão,... é quando o Padre está a falar para as pessoas durante um bom tempo, numa tribuna (tipo uma varanda a meia altura da parede da Igreja). Num cenário, que por ser Páscoa, todos os santos da Igreja estavam tapados com grandes cortinados de cor roxa (?) cor de vinho. Significava a morte de Cristo. É neste clima com o cheiro à cera das velas e das flores, eu escutava concentrado e com toda atenção o que o padre dizia naquele silêncio das pessoas, acompanhado do eco da sua voz dentro da Igreja.
Ele tinha uma fraseologia que eu não ouvia da boca das outras pessoas, palavras e frases novas que me despertavam interesse porque não as conhecia, as histórias (o Evangelho) que não compreendia pela sua carga de simbologia. Então quando conseguia compreender algo que o padre tivesse dito, isso despertava-me uma sensação parecida à de quando li o primeiro livrito e consegui acompanhar a história nele contida. O que me treinou para um melhor poder de interpretação de leitura na escola e compreensão das palavras.
Os símbolos da minha "adolescente religiosidade" eram uma estatueta de Sr.ª de Fátima que foi oferecida pelo meu Avô à minha Avó, um Menino Jesus em cartolina pequenino de ter ao lado da cama, um quadro pequeno da Sagrada Família e por último um quadro do Coração de Jesus que já não possuo.

Por outro lado, uma actividade religiosa, que me deixou recordação, era no Domingo de Páscoa. Padres com pequenas equipes de ajudantes em que um levava a Cruz de Cristo, outro transportava o balde da água Benta (água benzida em cerimónia pelo padre), pois, a água com que benzia as casas em que entrava; à frente andava sempre outro elemento com um pequeno sino a anunciar com o seu badalar a chegada da Cruz.

As ruas ficavam bonitas com flores coloridas à entrada das portas de casa, que era o sinal de que as pessoas dessas casas queriam receber a Cruz. Havia sempre uma pequena mesa com amêndoas, pão doce (já me lembro Pão de , muito fofinho) e outras coisas para o padre comer se quisesse. Quando entrava na casa o sujeito que tinha o balde com a água benta, aproximava-se do padre que pegava numa espécie de pequeno tubo metálico, que ao ser retirado do balde transportava um pouco de liquido e com isso chapinava o local. Chamava-se a isto benzer a casa.

Claro que antes e em primeiro lugar tinha entrado o homem que transportava a cruz para que toda a gente a beijasse.

Mas... quando entra o teu avó nisto tudo ?

No mais agradável da Festa. Andava com outros rapazinhos a correr de um lado para o outro a seguir o grupo do padre que percorria as ruas da Foz onde eu vivia. Algumas vezes o homem do sino deixava-nos transporta-lo um pouco a badalar. E sempre as pessoas, porque estava-mos à porta à espera da saída do padre para ir-mos atrás, para outra seguinte, davam-nos amêndoas e outras lambarices.

Este meu estado de religiosidade acabou com a minha Comunhão Solene, vestido a rigor, com um fato, uma Opa azul e branca, vela numa mão e missal (resumo da bíblia) na outra.
Foi uma grande cerimónia na igreja com meninos de um lado meninas do outro dentro da Igreja (era assim e não podia estar ao pé da minha amiguinha, numa foto está exactamente atrás de mim e na outra não tive coragem e fiquei afastado para o lado).


Depois um grande lanche com muitos rapazes e raparigas, muitos santinhos trocados entre nós (figuras religiosas em papel) e algumas prendas dos adultos. A acrescentar a isto a imaginação de um rapazinho que estava a casar com uma amiguinha, tal linda princesa que também fez a comunhão comigo, sendo que as raparigas iam vestidas quase como noivas.
Gostaste da gracinha,foi?!...
Fui educado na crença da existência de Deus sem fanatismos ou obscurantismos, agora adulto e com esta idade não sei se acredito num Deus. Mas uma coisa acredito. Que há muita injustiça e fome no mundo e Deus nada faz.
Portanto eu acredito no "nada" que somos quando o nosso coração deixa de bater.

Há contudo um livro chamado Bíblia que na minha opinião não é mais que um rol de histórias ou profecias escritas por homens, não por Deus. Para compreender estes escritos primeiro temos, ou devemos conhecer-mo-nos o melhor possível, se não obstruirmos a nossa compreensão do Homem e do próprio Mundo.

Apesar disso Guilherme, por que os homens são livres de terem a fé e a religião que desejarem devemos respeitar e não interferir com as suas concepções, porque a religião em certo aspecto são frágeis capas de "gelatina" que moldam os indivíduos.

13 de julho de 2008

UM AMIGO ARTISTA

Por volta dos meus 15/16 anos, ainda te falta muito para lá chegares Guilherme, o avô tinha dois amigos irmãos um deles o mais velho talves dois anos mais velho que eu, o João.

Era um grande artista a fazer desenhos a lápis, carvão e até, imagina com fósforos anteriormente queimados. Era o João Ferreira, um rapaz muito calado, não tinha continuado os estudos, mas andava sempre com um livro debaixo do braço e ia para os cafés ler, levando com o livro umas folhas de papel e no bolso sempre lápis e esferográficas.

João não gostava muito de mim porque para o feitio dele eu era muito falador. Mas um dia no café depois de assistir com uma roda de amigos, ao trabalho de pintura que ele fazia com o liquido dos restos do café que estavam nas nossas chávenas, tendo como pincel um guardanapo de papel enrolado de forma especial para lhe prestar o serviço que ele desejava, consegui convidá-lo a ir para minha casa, porque tinha lá folhas de papel de vários tipos que a minha mãe trazia da patroa que era uma Srª inglesa, e dava aulas no Colégio Inglês.

Então o João começou a ir até minha casa e a antipatia dele desapareceu durante algum tempo. Era um rapaz revoltado, filho de um taxista que não compreendia que o filho só vivia para a arte. Mas em 1965 em muitas e muitas familias era necessário que os filhos começassem a trabalhar cedo e na melhor das hipóteses iam estudar à noite. Um dia fiz-lhe o desafio de reproduzir uma foto minha tipo passe, e ele aceitou. Ainda colaborou num Jornal que vários rapazes e raparigas criaram na Foz.
Deixei de o vêr a partir de certa altura da minha adolescência. Um pouco casmurro, mas foi um bom amigo.
É este o trabalho dele que ainda guardo com carinho ao fim deste tempo. Sabes para que queria este desenho do meu rosto?. Muito simples. Era para oferecer à minha primeira namoradinha a sério, que eu tinha com os meus tais quinze aninhos.