12 de julho de 2008

O CHAPÉU DE PALHA E O DIRECTOR ESCOLAR








Maio/Junho, quase fim do ano escolar andava o avô no primeiro ou segundo ano do Ciclo Preparatório (agora o 4º ou 5º ano respectivamente) na Escola Secundária de Matosinhos. Ficava à distância de uns vinte minutos de Eléctrico, apanhava o Eléctrico nº1, com destino a Matosinhos. O percurso era muito lindo, porque era sempre pela marginal, sempre em contacto visual com o mar.
Somente na parte final do percurso o eléctrico circulava pelo meio das muitas fábricas da indústria conserveira, principalmente da sardinha, à mistura das de torrefacção do café e da refinação do açúcar.
De manhã quando ia para a escola saía quase no fim do percurso do transporte. E o primeiro cheiro que me chegava às narinas era o cheiro das sardinhas e do mar.
Depois ia por aquelas ruas (muito rectas e verticais ao mar) e começava a sentir o cheiro de café torrado e também um cheiro muito doce do açúcar, às vezes era tão intenso que parecia que o tínhamos na boca. Claro que isto variava um pouco conforme os ventos.
Neste tempo os bilhetes eram vendidos por um senhor que andava dentro do Eléctrico com uma mala a tiracolo, designava-se por Cobrador (agora o Pica).
Vamos então aos acontecimentos do CHAPÉU e do DIRECTOR da escola.
Neste período do mês havia uma grande festa local (arraial) muito conhecida, o "Senhor de Matosinhos", que antecede quase imediatamente o "S. João" do Porto. O seu ponto central, era no grande jardim em frente à minha escola. Havia todo o tipo e tamanho de Carroceis (muitos mais do que aqueles que já viste nos nossas passeatas), muitas barracas de diversão, comida, louça e bonecos de barro era nesta altura que se comprava mais alguns bonecos para as nossas cascatas para a festa do S. João (depois falo disto tenho tempo).
Guilherme os pormenores são como as cerejas, vamos lá ao chapéu.
Portanto festa local, igual a férias escolares. E...como tinha uma avó muito amiga e querida, que me dava vinte e cinco tostões, (2$50 dois escudos e cinquenta centavos) que era suficiente para ir de Eléctrico até Matosinhos e encontrar-me com os meu colegas que residiam por ali nas proximidades. Com os meu tostões e os deles fazíamos grande festa nos carroceis e matraquilhos. Agora já posso falar no chapéu.

Neste tempo as crianças usavam um chapéu muito parecido com o da figura, mas com um pormenor, alguns tinham uma pequena penugem ou uma pena de uma ave qualquer, colorida metida na fitinha.
Eu não usava estes chapéus de palha, usava boina. Não gostava muito deles, tinha alguns inconvenientes para mim: voavam facilmente o que era mau para quem andava por perto das praias como eu, se o quisesse tirar para fazer qualquer coisa tinha que lhe pôr uma pedra em cima para não voar. Só chatices...
Chatices tive eu com um igual, de um colega da escola. Nessa tarde que fui para Matosinhos depois de uma tarde de diversão, resolvi simpatizar com o até agora dito chapéu e tirei-lho para andar com ele na cabeça, mas pelos vistos era um objecto de estimação do meu amigo. Coitado fartou-se de mo pedir, andar atrás de mim à volta das barracas da festa.
Mas ele parecia ser mimado demais, então o meu interesse pelo chapéu passou para a brincadeira estúpida de fazer sofrer um amigo.
Ainda foi durante um bom tempo assim, até que deixei de o ver. Tinha desaparecido o meu amigo. Sabia que ele residia numa das ruas próximas, mas não exactamente o local. Tentei encontrá-lo ingloriamente no meio das pessoas e barracas e nos carroceis, nem a sombra dele. (Não me recordo do nome, lembro-me que tinha outro irmão).
Sem saber o que devia fazer e como não queria levar o chapéu para casa porque teria que explicar muito bem a história, resolvi ir junto dos portões da Escola e pasma-te; atirar o chapéu para dentro da escola através do gradeamento.
E sabes porquê ? Porque nunca tendo roubado, senti-me como um ladrão sem o ser.
Esse amigo deu-me toda a oportunidade para lhe devolver o chapéu e eu não o fiz.
Bem fui para casa com a consciência aparentemente tranquila porque tinha deixado o chapéu dentro da escola que estava fechada pensando ser um lugar seguro, e como ele morava por ali talvez o encontrasse.
Agora o outro lado da medalha: O DIRECTOR (as escolas tinham um director e não um Conselho Directivo).
Passado poucos dias chega um postal pelo correio dirigido à minha mãe para ir à escola na minha companhia para falar com o Director. A minha mãe pergunta-me o que seria aquilo ao que eu respondi que não sabia para o que era. Isto em pleno período de férias o assunto deveria ser grave.
Se eu não tinha feito mais nenhuma malandrice só podia ser o chapéu, e creio que durante dois dias até à data e hora de lá ir com a minha mãe, o meu cérebro deve ter trabalhado que nem o primeiro computador inventado pelo homem. Como é que eu ia provar que não tinha como intenção subtrair o chapéu do meu colega de escola.
Entramos num gabinete onde estava na sua cadeira um Sr. que eu conhecia, mas que nunca tinha falado com ele. Era o Director. Depois dos cumprimentos, expõe a acusação à minha mãe que me dirigia algumas palavras (não me lembro exactamente quais) até que depois de alguma conversa, tive uma pequenina (como eu me sentia) oportunidade de expor a minha versão dos acontecimentos.
Houve uma breve explicação dos factos do ponto de vista do director à minha mãe, face à queixa dos pais do meu colega e determinou-me a suspensão de dois dias de aulas quando elas recomeçassem.
Sentença proferida pelo "Sr. Director" e mais uma imediata e valente bofetada dada pela minha mãe, que quando cheguei a casa ainda tinha os dedos marcados na face.
Como podia eu provar o contrário?.

Guilherme, muitas vezes devemos antecipadamente ponderar bem os nossos actos.

1 comentário:

anamar disse...

Um espectáculo este post...
Visualizei a cena por completo...quase senti o seu coração a "sair-lhe p'la boca" em tal aperto...rsrsrs!
O Guilherme vai entender e vai ver que na vida, tal como nos livros de histórias, as "maldades" serão castigadas!!!
Um abraço!