11 de abril de 2011

( II ) - SONHOS, VENTURAS E OUTROS QUE TAIS

Vinte anos de idade (1970), aproximam-se os dias da decisão que terei de tomar. Ou seja os dias da Inspecção Militar.
Vou reforçando a minha própria segurança, destruindo ou facultando a outros, material em minha posse, como documentos, recortes, livros, mais comprometedores.
Deixo os lugares mais recatados e começo episodicamente a conviver mais "brejeiramente".
Procuro conhecer as de-marches da realização de uma inspecção militar, sobre a ida para um quartel.
Fico a conhecer mais detalhadamente, casos de vários estudantes universitários obrigados a interromperem os estudos para ingressar nos contingentes para as colónias, o que me desperta o desejo de estar junto a eles. Mas tratava-se de um imaginário meu, não sabia como.


Começam as conversas com algum grau de risco, com os amigos mais íntimos, no fundo procurava o suporte à decisão, (que não foi a final), que eu naquele momento desejava tomar.
A deserção. Para além das opções políticas, outros factores se me apresentam e influenciam.
O afastamento das pessoas que eu mais amava na vida, minha Avó e minha Mãe. Sendo verdade, que na altura e recentemente, minha Mãe tinha-me dado a conhecer o carácter colonialista e escravizador daquele que foi meu pai, durante muitos anos em Moçambique na ex-Lourenço Marques, pai que não cheguei a conhecer e sendo a causa da separação do casal.
Com a deserção implicava consequentemente o apelo à minha coragem com destino ao desconhecido e em absoluto ainda insensorial.
Renovam-se conversas com amigos íntimos e mais "seguros" (um não implica o outro tipo de personalidade) que ganham novos contornos e outras abordagens. Diversas novas condições e objectivos se me apresentam entretanto com a consciência política adquirida até aquele momento, durante a juventude, em substituição do futebol e da abstracção política e social que a maioria dos jovens padeciam, face ao fascismo existente, mas que lentamente a juventude começava a despertar da letargia.
As alternativas naquele momento eram:
Deserção pura e simples.
Ou frequência da recruta e depois desertar, com o objectivo de adquirir instrução e conhecimentos militares, com vista a vir a integrar grupos de acção revolucionária.
E ainda, enquanto não embarcasse, obter informações, produzir agitação política, nos quartéis.
A minha opção final e pessoal (mais uma vez neste campo) foi que ingressaria as fileiras e embarcaria para as colónias, se mobilizado, onde levaria à prática o que me fosse possível.
Tendo-me atribuído, independentemente dos riscos que acarretava e como primeiro empenho, dar a conhecer para o exterior todos os factos e movimentos de relevo do interior dos quartéis, incluindo cópias ou transcrições e na medida do possível outros materiais. Que veio a ser inicialmente em RI7 na cidade de Leiria, unidade onde fiz a recruta.
E no caso de embarcar para as colónias (que veio a ser para a Guiné), procurar contactos com a população afecta aos movimentos de libertação e dar a conhecer as lutas que se travavam em Portugal contra a guerra colonial e a ditadura. Facultar o conhecimento sobre o exército colonial, e informando para Portugal do que tinha conhecimento no aspecto político-militar e outros.
Não obstante todos os medos, todas as angustias, creio ter concretizado grande parte dos objectivos a que me tinha proposto. Concluo eu hoje, até ao meu último dia de hospital militar.
p.s. Nunca utilizei nenhuma informação de operacionalidade pontual, que pusesse em perigo qualquer militar, fosse ele quem fosse.

(continua)

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