Conforme os editais, apresento-me na unidade militar respectiva no Porto, para a Inspecção Militar.
Um amontoado de jovens dispersos pelos passeios, com semblantes de uma boa disposição, que em muitos casos era uma forma de disfarçar a ansiedade, o desconhecimento do que vinha, a aflição de deixar os empregos, o sustento dos filhos e/ou família em alguns casos.
Uns tantos, acompanhados de seus pais com ares de quem vai para o matadouro, outros porém com todo o estilo de filhos de "família bem", que pareciam dizer; venho trazer meu filho para os elevados desígnios da Pátria. Circulavam no meio destes jovens alguns adultos visivelmente alguns pais, e outros estranhos adultos aparentando jovialidade, mas demasiado velhos para a condição de Mancebos... tratava-se da policia política PIDE-DGS dispersa no meio dos presentes.
Aqueles jovens (maior parte) não sabiam que se tratava da policia política rondando. Felizmente para eles que as suas conversas eram circunstanciais (em amizades de ocasião) à volta das suas origens, empregos, destinos, namoradas, e pouco mais.
No interior da Unidade Militar, de forma mais ou menos organizada enfileiravam-se os Mancebos para a respectiva inspecção física, sendo a principal preocupação dos examinadores, se o jovem tinha sífilis ou era homossexual, durante um breve inquérito sobre o seu estado físico se era cocho ou maneta, mas não sobre o seu estado saúde.
Soldados já fardados, (os prontos) com seus "ares de sargentos" a imporem a disciplina, procuravam manter a integridade das filas em direcção às mesas estrategicamente colocadas, onde estavam médicos (ou alguns supostos) com semblantes quase impenetráveis, sem grandes conversas, como militares alemães que seleccionavam homens aptos ou não para os trabalhos forçados.
Coisa que não me impressionou, porque com dezasseis ou dezassete anos, fui convocado (acompanhado de minha mãe) para ser interrogado pela Policia de Investigação Militar, no Porto. Assunto; acompanhar frequentemente um africano de Angola que estava (ainda hoje estou para compreender com quem estava a tentar solidarizar-me, eu era jovem demais) "protegido" no centro de transmissões STM no Castelo da Foz. Este meu convívio com o africano que algumas vezes comeu em minha casa originou suspeitas. Também não sei se sobre mim ou o africano. Eu era conhecido dos militares e do Sargento do posto de transmissões, desde criança. Convivia com eles e aprendia coisas sobre radiocomunicações, andava à vontade pelo Castelo que servia de quartel, comia com os soldados etç. Isto daria outra história, talvez um dia.
Mas voltando à inspecção militar.
À saída das instalações de inspecção, os recentes futuros recrutas confraternizavam, nos cafés das redondezas e especulavam sobre os seus possíveis destinos para o inicio da recruta. Desconheciam que a "distribuição" dos homens pelas diversas unidades no território (tal como o destino a África) obedecia a um plano entre outros baseado no nível cultural, das características sociais das regiões de onde eram oriundos, até incluindo o clima de Norte ou Sul de Portugal. Os madeirenses e os açorianos foram o exemplo mais claro desta filosofia sócio-militar.
Foi também nestes momentos de descompressão, depois de vãs tentativas de exporem à inspecção algum impedimento para ser militar, que alguns tomaram a decisão e sem retorno de fugir à tropa, emigrando a "salto". Sendo que a principal razão para além das questões políticas, era ser colocado em causa, em muitos casos a sobrevivência da família, filhos, e todo o rol de questões que se apresentam a um homem quando é deslocado forçadamente.
Por minha parte, senti que aquelas duas horas, talvez me tenham transformado em um "bicho subterrâneo", disposto a tudo, decididamente não tinha alternativas concretas e viáveis de imediato. A minha postura passaria a ser de "dócil" cidadão. Tratava-se agora de aguardar a convocatória para o inicio da recruta (re)organizar a minha vida e o meu ‘modus operandi’ face ao que já me tinha proposto; combater o fascismo no seu seio, e agora "carimbado" com o determinante e insuspeito "apto para todo o serviço militar”.
(continua)
1 comentário:
Como é que só agora me dei conta destas tão bem descritas memórias?...
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