12 de julho de 2008

AS MINHAS LUNETAS



Tal como agora, em criança entre os oito e dez anos talvez, também usei óculos para correcção da vista. O seu uso limitava-me muito. Por exemplo, quando vinha da escola se estava a chover era uma chatice, porque ficava com os vidros molhados, e isso aborrecia-me.
Depois no regresso a casa quando passava pelo jardim do Passeio Alegre um jardim que eu não dispensava de ir sempre para lá quando vinha da escola, porque também lá estavam os "meninos ricos" com os seus carrinhos miniatura (eram de ferro e pesados) a fazerem corridas nos caneiros de rega dos canteiros. E também nesta brincadeira, como estava sempre com a cabeça para baixo para empurrar o meu carrinho, só tinha um, nunca podia perdê-lo de vista, os óculos tinham tendência a caírem.

Mas um acontecimento não intencional finalizou o uso dos óculos.
Um dia tirei os óculos para ir brincar, também no mesmo jardim colocando-os junto da mala da escola. Quando me fui embora peguei em tudo, menos nas "lunetas" e fui para casa descontraido. A minha avó perguntou-me pelos óculos, fiquei desorientado, expliquei-lhe o que tinha acontecido, e coitadinha lá foi comigo para o jardim procurar os óculos, mas não os encontramos.

Sabes que a minha avó nunca me batia, ficava muito zangada, fazia-me severos discursos, mas...
depois tudo passava e tratava-me por "meu menino".

E aqui deu-se por finda a minha fase das lunetas.

O CHAPÉU DE PALHA E O DIRECTOR ESCOLAR








Maio/Junho, quase fim do ano escolar andava o avô no primeiro ou segundo ano do Ciclo Preparatório (agora o 4º ou 5º ano respectivamente) na Escola Secundária de Matosinhos. Ficava à distância de uns vinte minutos de Eléctrico, apanhava o Eléctrico nº1, com destino a Matosinhos. O percurso era muito lindo, porque era sempre pela marginal, sempre em contacto visual com o mar.
Somente na parte final do percurso o eléctrico circulava pelo meio das muitas fábricas da indústria conserveira, principalmente da sardinha, à mistura das de torrefacção do café e da refinação do açúcar.
De manhã quando ia para a escola saía quase no fim do percurso do transporte. E o primeiro cheiro que me chegava às narinas era o cheiro das sardinhas e do mar.
Depois ia por aquelas ruas (muito rectas e verticais ao mar) e começava a sentir o cheiro de café torrado e também um cheiro muito doce do açúcar, às vezes era tão intenso que parecia que o tínhamos na boca. Claro que isto variava um pouco conforme os ventos.
Neste tempo os bilhetes eram vendidos por um senhor que andava dentro do Eléctrico com uma mala a tiracolo, designava-se por Cobrador (agora o Pica).
Vamos então aos acontecimentos do CHAPÉU e do DIRECTOR da escola.
Neste período do mês havia uma grande festa local (arraial) muito conhecida, o "Senhor de Matosinhos", que antecede quase imediatamente o "S. João" do Porto. O seu ponto central, era no grande jardim em frente à minha escola. Havia todo o tipo e tamanho de Carroceis (muitos mais do que aqueles que já viste nos nossas passeatas), muitas barracas de diversão, comida, louça e bonecos de barro era nesta altura que se comprava mais alguns bonecos para as nossas cascatas para a festa do S. João (depois falo disto tenho tempo).
Guilherme os pormenores são como as cerejas, vamos lá ao chapéu.
Portanto festa local, igual a férias escolares. E...como tinha uma avó muito amiga e querida, que me dava vinte e cinco tostões, (2$50 dois escudos e cinquenta centavos) que era suficiente para ir de Eléctrico até Matosinhos e encontrar-me com os meu colegas que residiam por ali nas proximidades. Com os meu tostões e os deles fazíamos grande festa nos carroceis e matraquilhos. Agora já posso falar no chapéu.

Neste tempo as crianças usavam um chapéu muito parecido com o da figura, mas com um pormenor, alguns tinham uma pequena penugem ou uma pena de uma ave qualquer, colorida metida na fitinha.
Eu não usava estes chapéus de palha, usava boina. Não gostava muito deles, tinha alguns inconvenientes para mim: voavam facilmente o que era mau para quem andava por perto das praias como eu, se o quisesse tirar para fazer qualquer coisa tinha que lhe pôr uma pedra em cima para não voar. Só chatices...
Chatices tive eu com um igual, de um colega da escola. Nessa tarde que fui para Matosinhos depois de uma tarde de diversão, resolvi simpatizar com o até agora dito chapéu e tirei-lho para andar com ele na cabeça, mas pelos vistos era um objecto de estimação do meu amigo. Coitado fartou-se de mo pedir, andar atrás de mim à volta das barracas da festa.
Mas ele parecia ser mimado demais, então o meu interesse pelo chapéu passou para a brincadeira estúpida de fazer sofrer um amigo.
Ainda foi durante um bom tempo assim, até que deixei de o ver. Tinha desaparecido o meu amigo. Sabia que ele residia numa das ruas próximas, mas não exactamente o local. Tentei encontrá-lo ingloriamente no meio das pessoas e barracas e nos carroceis, nem a sombra dele. (Não me recordo do nome, lembro-me que tinha outro irmão).
Sem saber o que devia fazer e como não queria levar o chapéu para casa porque teria que explicar muito bem a história, resolvi ir junto dos portões da Escola e pasma-te; atirar o chapéu para dentro da escola através do gradeamento.
E sabes porquê ? Porque nunca tendo roubado, senti-me como um ladrão sem o ser.
Esse amigo deu-me toda a oportunidade para lhe devolver o chapéu e eu não o fiz.
Bem fui para casa com a consciência aparentemente tranquila porque tinha deixado o chapéu dentro da escola que estava fechada pensando ser um lugar seguro, e como ele morava por ali talvez o encontrasse.
Agora o outro lado da medalha: O DIRECTOR (as escolas tinham um director e não um Conselho Directivo).
Passado poucos dias chega um postal pelo correio dirigido à minha mãe para ir à escola na minha companhia para falar com o Director. A minha mãe pergunta-me o que seria aquilo ao que eu respondi que não sabia para o que era. Isto em pleno período de férias o assunto deveria ser grave.
Se eu não tinha feito mais nenhuma malandrice só podia ser o chapéu, e creio que durante dois dias até à data e hora de lá ir com a minha mãe, o meu cérebro deve ter trabalhado que nem o primeiro computador inventado pelo homem. Como é que eu ia provar que não tinha como intenção subtrair o chapéu do meu colega de escola.
Entramos num gabinete onde estava na sua cadeira um Sr. que eu conhecia, mas que nunca tinha falado com ele. Era o Director. Depois dos cumprimentos, expõe a acusação à minha mãe que me dirigia algumas palavras (não me lembro exactamente quais) até que depois de alguma conversa, tive uma pequenina (como eu me sentia) oportunidade de expor a minha versão dos acontecimentos.
Houve uma breve explicação dos factos do ponto de vista do director à minha mãe, face à queixa dos pais do meu colega e determinou-me a suspensão de dois dias de aulas quando elas recomeçassem.
Sentença proferida pelo "Sr. Director" e mais uma imediata e valente bofetada dada pela minha mãe, que quando cheguei a casa ainda tinha os dedos marcados na face.
Como podia eu provar o contrário?.

Guilherme, muitas vezes devemos antecipadamente ponderar bem os nossos actos.

UM PARTO DIFICIL




Como deves imaginar à quase sessenta anos, não havia a 'rede hospitalar' que há hoje, Maternidades, nem tão pouco 'centros de saúde'. Havia os hospitais nas principais cidades, muitos médicos que faziam consultas particulares e pouco mais. Digo-te a propósito que havia alguns médicos que mereciam ficar para a história por terem abdicado em parte dos seus honorários para darem assistência aos pobres. Alguns deles chegavam a dar dos medicamentos que tinham nos seus consultórios. Em abono da verdade também havia algumas Farmácias que funcionavam como as Mercearias com o livrinho das dívidas dos clientes, sine-dia.
Mercearias eram os locais onde se vendia produtos alimentares.
Já agora fica sabendo que Portugal era um País muito pobre e que tinha acabado dois anos antes a segunda Grande-Guerra.
Isto para introduzir o parto do qual eu nasci segundo o relato repetido muitas vezes, principalmente quando eu fazia alguma asneira mais desesperante. No fim, ficas a compreender.
A minha Mãe deu-me à luz em casa, assistida por uma Parteira, chamava-se Sra Ricardina.
As parteiras da época digamos que eram umas enfermeiras auto-didactas, com uma personalidade muito rude de fazer fugir o diabo. Apesar disto ainda tive de levar com algumas injecções, quando estava doente, dadas pela sra Ricardina.
Segundo a minha mãe nasci em casa e com alguma dificuldade para ela.
Estás a imaginar um parto em casa... (a minha avó Amélia estava presente) depois das limpezas e outras regras de um nascimento, e a minha mãe já comigo nos braços ouve um comentário que a fez pôr a parteira fora-da-porta.
"Trate-o bem que ele não vai durar muito tempo" que era eu...disse a parteira.
Pois foi...! ainda aqui estou, era por isso que quando eu fazia aquelas asneiras de criança, alguém me recordava que, de quem tinham dito não ir viver muito tempo estava a fazer una traquinice muito grande....
Também e talvez por este pequeno acontecimento, eu tivesse tido todo o amor da minha avó e o afecto silencioso da minha mãe.

11 de julho de 2008

APRENDER A NADAR


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Talvês, com os meus oito anos, uma das minhas aventuras de "natação" era ir para casa da minha tia Maria, que ficava muito próximo da casa da minha avó na Rua do Passeio Alegre. Era uma casa antiga (como todas daquela rua), mas esta não tinha electricidade. Recordo-me que era uma casa com muitos recantos e um pouco escura, tinha um grande quintal à frente com um tanque de lavar roupa. Era um tanque enorme. Muitos anos atrás havia em alguns locais tanques de água comunitários, onde as mulheres lavavam a roupa. Portanto eram caixas de água corrente para dez ou vinte mulheres lavarem a roupa.

O da casa da minha tia Maria, era na minha imaginação (ou para o meu tamanho) enormíssimo o que me permitia dar algumas braçadas à "cão", porque ainda não sabia nadar.
Imagina agora um quintal, numa tarde de Verão ou Primavera dentro de água a tomar banho e brincando com tudo que pudesse fazer de barquinhos, num grande tanque, só para mim e... com um cheiro delicioso de uva americana de uma videira que o cobria na totalidade fazendo sombra.
Enquanto isto, a duas irmãs minhas avó e tia sentadas algures à sombra, estavam "sarrotando" quero dizer a conversar e a costurar, fazer meias ou alguma camisola para o inverno.
Havia muitos gatos, mas bom, bom mesmo, era a hora do lanche. Maçãs à fartura, havia lá uma ou duas Macieiras, davam daquelas maçãs um pouco ácidas com muito sumo. E uma caneca de cevada (uma bebida parecida com o café) acompanhando a Sêmea (pão escuro) com marmelada ou manteiga. Isto numa tarde de verão... à sombra, num quintal emanando diversos aromas de plantas, o cheiro a lenha e ao carvão do fogão é difícil de te transmitir as sensações que me causavam, mas diria que todos estes cheiros transmitiam vida, da própria vida das pessoas e dos seus lugares.
Se me tapassem os olhos eu saberia em que casa de quem estava a entrar.
Aquelas uvas caracterizam-se por serem muito doces, distinguindo-se de qualquer outra espécie, mas em excesso provocavam uma tempestade nos intestinos de qualquer criança.
Estarás a pensar: mas um puto de sete/oito anos sozinho num tanque ? Nada de especial, porque as crianças de então não eram tão super protegidas. Muito cedo exercitavam as suas capacidades físicas e de orientação, brincando nos campos e matos, nos jardins, junto ao rio amarravam os barcos pequenos, cedo aprendiam a remar e a nadar, brincavam pelas diversas ruas sem automóveis.
Não quer isto dizer que as crianças daquele tempo andavam abandonadas, pelo contrário estavam vigiados pelos vizinhos. As pessoas nas suas andanças naturalmente reparavam nas crianças dos outros dando atenção aos locais onde estavam.

Vou dar-te três exemplos:
- Ia a correr com outros rapazinhos amigos numa rua e de repente uma voz de mulher que aparecia repentinamente no meu caminho perguntava: "A tua mãe já veio do trabalho ?". Azar eu tinha sempre a minha avó em casa.
- Outra punha-se à minha frente e dizia: "O que andas aqui a fazer ?, vou dizer à tua mãe que andas aqui. Vai para casa.
- Chegava a casa e a minha avó: já te disse que não quero que vás para tal "sitio". Raios como é que ela soube, até nem encontrei ninguém conhecido...E era no mesmo dia.

Estranho... não é meu Neto...?
Já agora, imagina que quando tive a primeira namoradinha "sofri" muito, porque não havia sitio por onde eu passasse que a minha mãe não soubesse e às vezes também antes de eu chegar a casa. Como é que ela sabia que eu tinha passado com uma pequena, numa determinada rua, numa determinada hora ?
Voltando a casa da minha tia. Mesmo que ela não estivesse em casa embora pudesse escalar o portão, não precisava de fazê-lo porque à frente existia (ainda existe) uma fonte muito linda que faz de parede ao quintal e também aí tinha algum espaço para brincar na água.
E muita sorte, porque em frente, era só atravessar a rua, e tinha outros tanques para onde iam as lavadeiras (mulheres que lavavam a roupa das famílias ricas), mas aí não era conveniente porque havia muito sabão na água e elas, as lavadeiras não deixavam.
Não te preocupes, dentro de um ano ou dois estou a nadar no rio Douro como um peixinho.
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P.S. ainda não aprendi a intercalar as fotos no meio do texto, por isso são numeradas no texto.
Foto 1- A tal Fonte, no local da casa da minha tia Maria está um prédio recente. Depois de possivelmente ter caído de velha.
Foto 2, 3 e 4 os tais tanques junto ao rio em diferentes épocas.

9 de julho de 2008

OUTRAS NOVAS RECORDAÇÕES


Guilherme ontem completaste sete aninhos, já passaste para ao 2º ano.
E podes crer, que hoje já começas a ser uma recordação para mim de quando te lia histórias, te cantarolava ao ouvido e te punha na caminha, te dava de papar.
As idas aos Parques e tantas outras coisas de que tu gostavas.
Também és parte dos meus recortes que são destinados a ti, meu neto.

7 de julho de 2008

OS LIVROS DE AVENTURAS






Os livros de aventuras quando eu era pequeno não tinham as características que teem hoje. Nem me lembro de se dar o nome de Banda Desenhada que talvês corresponda como se dizia na época "revista aos quadradinhos".
Não comecei muito cedo como tu (gostavas de brincar com os livros do avô) a ter livros para ver e brincar. Mas desde que a visa-avó Joaquina me começou a dá-los, nunca mais deixei de gostar de ler.
Recordo-me que tal vês com meus 9 anos, a minha mãe, quando chegava do trabalho já no fim do dia, a maior parte das vezes eu já estava na cama. Mas acordado porque me trazia frequentemente um miminho, como um soldadinho em plástico, um chocolatinho, rebuçados, um bonequinho brinde de qualquer coisa, e às vezes... uma sobremesa doce que tivesse sobrado dos patrões. A visa-avó era como agora se diz empregada doméstica que na época era governanta doméstica.
Carinhos como o avô te deu pelo menos até agora quando hoje completas sete anos.
Ás vezes ia com minha mãe para o trabalho, e nos dias bons eu vinha brincar para o passeio (isto na Av. da Boavista no Porto) onde havia um tipo Quiosque que tinha muitas revistas para venda para brincava com o filho mais novo dos donos (não me recordo do nome). A estratégia do pai dele era dar-nos para ver suplementos de jornais antigos que tinham algumas histórias aos quadradinhos. Isto começou a despertar o meu interesse nas revistas que estavam por lá penduradas, mas era expressamente proibido mexer nelas.
Então em determinado altura numa das minhas explorações pela casa (recorda que na infância vivi em casa da minha avó, que era muito grande) descobri no sótão, não a cave que não havia, umas revistas de propaganda, restos da Grande Guerra que tinha acabado poucos anos antes.
Então não mais larguei as revistas, mas tinha um problema não as podia levar para a rua. Porquê ? Bem... não cabe agora aqui responder-te porque é um pouco complexo. Talvez lá para o fim do Blogue.
Mas hoje considero (porque não se punha tantos problemas na educação das crianças) que me ajudaram a que eu desde muito jovem compreenda melhor os sacrifícios humanos, porque essas revistas só tinham fotos de guerra.
E por qualquer razão a minha mãe começou então a trazer para mim quase todos os dias livros de aventuras, como o Bill The Kid, David Crocket, Tarzam, e outros como o Pato Donald, eram revistas formato A5 poucas folhas. E às vezes oferecia-me outros de formato maior como o Tim Tim, Cavaleiro Andante. Claro que foi em substituição dos outros miminhos quase diários, mas os soldadinhos em plástico consegui coleccionar bastantes.
Bem agora diverte-te...